A escolha pelo tipo de registro da palavra está relacionada ao processo de construção das possibilidades de escrita e interação entre “aluno” e “palavra” enquanto código linguístico.

Nos anos iniciais da alfabetização, os alunos adquirem e trabalham conhecimentos imprescindíveis para a aquisição da escrita e aperfeiçoamento de habilidades sobre ela. A palavra, em sua forma escrita, compreende a interpretação feita pelos alunos no que diz respeito, por exemplo, ao número e tipos de letras necessários para o registro escrito desses vocábulos.

A preferência dos professores alfabetizadores pela letra de forma parte, principalmente, dos ideais e objetivos desejados na execução dessa tarefa. É perceptível que as letras de forma ou “caixa alta”, como são popularmente conhecidas no contexto escolar, contribuem efetivamente para os primeiros traços das crianças, tendo em vista que são caracteres de traçados simples, uniformes e isolados.

 As letras de forma ou “caixa alta” atendem a muitos dos objetivos desejados pelos professores. A produtividade da escrita, maior legibilidade, compreensão das sílabas e aspectos fônicos são um dos aspectos mais pontuados e considerados importantes por eles. Consideram ainda, que a partir desse tipo de registro os alunos adquirem maior conhecimento das letras do alfabeto, conseguem assimilar com precisão a diferença entre maiúsculas e minúsculas e são capazes ainda de não cometerem erros comuns como a mistura dos dois tipos de letras ao escreverem uma palavra.

Todas essas considerações são importantes para que o alfabetizador, principalmente na fase inicial desse processo e como já citado anteriormente, consiga intervir de maneira mais correta, adequada e precisa para que o aluno não se apodere de vícios linguísticos e não cometa equívocos desse tipo nas atividades de escrita.

É bastante comum existir entre os pais uma pressa no que diz respeito à aprendizagem e aquisição da letra cursiva pelos alunos durante os primeiros anos de alfabetização. Essa pressa se faz compreensível já que a escrita em letra cursiva, apesar de mais trabalhosa, é mais bonita, melhores traços e exige maior atenção do aluno para fazê-la.

É importante, porém, quando se tratar de alunos em processo inicial de alfabetização, que os professores considerem, pelo menos inicialmente, a leitura e escrita em letra de forma. Esse tipo de exercício favorece a uma maior qualidade no desenvolvimento do processo de escrita.

Durante anos, o uso da letra cursiva dividiu as opiniões de educadores e pesquisadores da educação, deixando dúvidas e incertezas sobre a sua exigência nas salas de aula. Mas, afinal de contas, deve-se ou não exigir essa modalidade de escrita? A questão, que ainda divide a opinião de professores e especialistas em diversas esferas educacionais, está longe de uma conclusão.

Estudos apontam que há meio século, hipótese ou dúvida como essa seria inimaginável. Nem mesmo pesquisadores ou críticos da educação. Os registros feitos à mão só eram possíveis a partir da letra cursiva e, para garantir a legibilidade do registro, ou seja, a escritura das palavras no papel, os alunos eram forçados e convencidos a treinar por horas e horas a modalidade de letra cursiva nos cadernos de caligrafia, um esforço sempre repetitivo, diário e sempre policiado pelo professor. Essa prática se arrastou por anos e, acreditavam os especialistas e muitos docentes da época, que era a maneira mais coerente e precisa de se ensinar a escrever com destreza, capricho, organização e legibilidade. No entanto, sempre existiram opiniões controversas. E para legitimar a qualidade dessa metodologia, em outras palavras, para provar a eficiência do método, professores que a defendiam, tomavam partido dos registros escritos produzidos em sala pelos seus alunos.

Especialistas ponderam e nos chamam à atenção para a questão psicomotora. Defendem que a letra cursiva esteja associada diretamente à concentração, coordenação motora, ritmo, domínio do papel, lateralidade e orientação espacial. Esses aspectos dizem respeito aos movimentos sensoriais encadeados por essa modalidade e que por sinal são os responsáveis pela transferência adequada da escrita para as diversas situações do cotidiano, da prática do dia a dia. Anos depois, após novos estudos e pesquisas realizadas sobre o assunto e com novas comprovações científicas, em especial às contribuições da Pedagogia e da Psicologia, novas teorias e concepções foram surgindo com o objetivo de se investigar as contribuições reais do uso das letras “caixa-alta” e “cursiva”. Muitas dessas pesquisas embasadas nas teorias de grandes estudiosos como Jean Piaget, Paulo Freire e Lev Vygotsky.

O trabalho com a escrita, a partir de então, já não foi o mesmo. Os professores passaram a trabalhar de maneira mais individual, a modalidade de letra passou a ser algo de livre escolha e a caligrafia já não eram mais tão importantes assim, exigências que até então haviam marcado as fases iniciais da alfabetização. Letras com traçados perfeitos, desenhos cada vez mais aprimorados e cadernos de caligrafia com escritas impecáveis tornaram-se obsoletas.

Com as contribuições de importantes estudiosos, os professores, em sua maioria, passaram a desenvolver novas técnicas de ensino e a contribuírem de maneira mais efetiva para que seus alunos pudessem descobrir caminhos que os levassem a conquistar uma escrita de qualidade e uma leitura de alto nível; proficiente.

Desde então, principalmente pelo surgimento das novas tecnologias – ressalto os aplicativos de ponta, a letra cursiva já não recebia a mesma valorização. A disseminação dos computadores contribuiu para que a letra de imprensa, já preponderante, de grande utilidade em vários contextos sociais, avançasse ainda mais. Manuscrever foi se tornando um ato cada vez mais raro.    

As razões, como já foram pontuadas acima, são justificadas por meio do desenvolvimento cognitivo e linguístico das crianças. No momento de descoberta das letras e sons e também as suas respectivas correspondências, é importante que os professores façam a mediação da atividade prática de escrita com o objetivo de que cada letra e fonema sejam tratados de maneira individual, o que só é possível com a modalidade “caixa-alta”. Por isso o prestígio pela letra de imprensa, cujos traços são trabalhados em conjunto com o desenvolvimento das habilidades motoras de nossos alunos, ou seja, tempo ao tempo, respeitando a individualidade de cada um e alcançando melhores resultados.

A dúvida que ainda persegue muitos pesquisadores é se devemos ou não priorizar a letra de imprensa ou abolir de vez a modalidade cursiva. Outra preocupação é quanto às interferências causadas pelos recursos tecnológicos disponíveis no mercado e acessíveis a todos. Alguns estudos apontam para uma queda considerável da produção escrita de nossos alunos, principalmente pelo acesso constante às novas tecnologias. Isso, no entanto, não quer dizer, de maneira nenhuma, que eles deixam de se comunicar ou que se comuniquem menos. O que acontece de fato é uma comunicação mais rápida, aleatória, basicamente oral e cada vez menos verbal escrita. Por que, então, ainda insistirmos na letra cursiva? Não estamos perdendo tempo com algo desimportante? Por que não ensinar as crianças apenas a reconhecê-la e deixá-las escreverem como preferirem? Quem sabe o que exista hoje seja nada mais que um conservadorismo sem razão e escolas repletas de normas e regras sem quaisquer sentidos. Por que não adaptar as práticas pedagógicas atuais aos usos de recursos tecnológicos disponíveis?

Como professor de Língua portuguesa e pesquisador do ensino de leitura, acredito, na possibilidade de alcançarmos melhores resultados na alfabetização a partir do momento em que a leitura deixar de ser uma mera atividade de decodificação linguística e passe, realmente, a ser tratada com a devida importância, isto é, que os professores sejam capazes de estabelecerem objetivos e metas condizentes com a realidade de sua sala de aula, levem as atividades de leitura e escrita a sério; em outras palavras que sejam capazes de contribuir para o bom desenvolvimento da escrita, e o registro manuscrito favoreça à escrita mais fluente e precisa. Não podemos permitir que nossos alunos sejam desmotivados por práticas pedagógicas ultrapassadas.

Portanto, tratemos as duas modalidades com a devida atenção sem que haja prestígio de uma ou outra, tendo em vista que ainda não existem comprovações científicas de que, se a letra cursiva desaparecer ou cair em desuso, habilidades cognitivas poderão sumir ou que, simplesmente, novas poderão surgir.

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